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quarta-feira, 16 de novembro de 2016

A estranha

Cabelos para o alto, unhas ruídas, pés descalços e o habitual uniforme em forma de camisolão branco, a única roupa que se lembra de ter usado. Há quanto tempo não via o exterior? Não se lembrava. Não se lembrava da luz quente do sol queimando-lhe a pele pálida. Aliás, não se lembrava nem de alguma vez ter visto um dia tão brilhante, tão dolorosamente cegante.

Luna olhou para trás. Dois horrendos monstros brutamontes passavam pela porta do Hospital de Saúde Mental, seu único lar, correndo em sua direção. Ela também correu, as pernas falhando vez ou outra. Um gigante metálico benevolente a ajudou a voar alto e para bem longe dos monstros ao mesmo tempo em que a agradável escuridão a envolvia outra vez, em seu escudo impenetrável.

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Avião

Com o pé direito, Lorena entrou. Havia se preparado muito, pois há vários meses esperava por este dia. Era o dia em que embarcaria, voaria para a Inglaterra e se apresentaria para o mestrado em Cambridge, cuja vaga conseguira com muito esforço, entre as poucas para alunos estrangeiros.
 
Muito ouvira falar sobre viagens de aviões e pouco esperava, de modo que se surpreendeu. Já ficou logo encantada. Os quatro assentos largos, dois em cada lado, em que caberia até seu tio Jorge, que já passara muito do peso recomendado. O estofado ergonômico diminuiria as dores lombares frequentes devido às longas horas sentada. E o espaçoso bagageiro que caberia com folga sua pesada bagagem de mão.
 
Ela consultou o número da poltrona na passagem e a procurou na cabine. E logo o sorriso esmaeceu. Pela primeira vez, agradeceu por ser tão magra, ou de outra forma não caberia. O espaço, que no início havia sido ocupado por duas largas poltronas, agora, naquela fileira, estava ocupado por três. Pelo menos teria a janela.
 
Lorena colocou sua mala no bagageiro indicado cuidadosamente para que pudesse fechá-lo, e sentou, não menos contente.
 
Um comunicado do piloto pelo alto falante a fez colocar o cinto. Ela segurou o braço do acento, mas o avião decolou antes que percebesse.
 
 Dentro do avião, as horas pareciam passar em uma velocidade completamente diferente. Já havia lido várias páginas de seu novo livro. A vista doía, a coluna doía, as pernas doíam, o estômago roncava e a bexiga apertava, mas ainda mão passara nem da metade das horas daquele voo.

sábado, 24 de setembro de 2016

O Bilhete

Roupas espalhadas por todos os lados. Tênis de Jorginho largado próximo à porta, paletó de Frederico em jogado em cima da cadeira, bolsa de Laurinha abandonada em cima da mesa. Não adiantava. Por mais que Ana reclamasse para cada um guardar sua bagunça, ninguém nunca a ouvia. E lá estava ela, tarde da noite, colocar os tênis da sapateira, a bolsa no cabideiro e o paletó no cabide.

— Amanhã se estiver tudo espalhado novamente, vou jogar fora — uma das inúmeras ameaças não cumpridas que fazia.

Todo dia a mesma coisa. Todo dia uma ameaça não cumprida. Todo dia a mesma desculpa.

Certa vez, enquanto pendurava o paletó de Frederico — o marido que estava sempre trabalhando, sempre chegando tarde em casa —, viu um papel amassado cair do bolso ao chão. Ana o olhou e o pegou.

— Só um papel amassado que deve estar à espera de uma lixeira — disse a si mesma e foi até a lixeira da cozinha colocá-lo no lixo.

Já era tarde e estava cansada por ter arrumado toda a casa. Aquela era a hora do seu tão esperado descanso. Ana foi até a escada, mas parou no primeiro degrau, ainda com o pé suspenso, ao lembrar do papel amassado.

— E se for um bilhete de alguma amante? — Pensou, irrompendo em fúria. — Se aquele safado estiver me traindo...

 Ana deu meia volta e retornou à cozinha, pegou o papel na lixeira e o leu.

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Velhice

— Maria?

Maria piscou os olhos. A sua frente, um garçom a olhava em espera.

— Uma coca, por favor — pediu, apressada.

— Lata ou refil? — Perguntou o garçom.

Maria a olhou. Estava sozinha à duas mesas, sentada de frente para ela. Era não menos que uma senhora de oitenta anos.

— Lata — respondeu.

— Duas cocas, uma lata e um refil. Mais alguma coisa, senhoritas?

Ela a olhou novamente, a senhora parecia contente.  
 
— Não, nós ainda vamos dar uma olhada no cardápio.

O garçom assentiu e se retirou.

— O que você prefere, Maria, calabresa ou catuperoni?

— Catuperoni — respondeu a menina sem nem tocar no cardápio. 

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Coditiano

Cotidiano é um grupo de pequenos contos completamente independentes, cujos temas foram sugeridos durante o curso "Processos Criativos do Romance e Conto" na Estação das Letras. Os contos abordam temáticas diversas com foco em situações do cotidiano, em que cada um possui uma proposta como método de prática.

Situação: Completo
Total de Contos: 04
Estilo de Texto: Conto

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